A seguir, a reprodução de matéria rica em sabedoria e ensinamentos, publicada em 10/05/2011, por 24 Horas News, com o título "Juiz nega Justiça Gratuita para garoto, mas desembargador reverte a decisão"
É simplesmente emocionante a decisão de um desembargador do
Tribunal de Justiça de São Paulo. Um garoto pobre, que perdeu o pai em um
acidente de trânsito, pediu ajuda da Justiça Gratuita, mas um juiz negou. A
negativa por si só já comove, principalmente pela falta de humanidade. Só
que a decisão de um desembargador, que veio depois, é muito mais emocionante.
Decisão do desembargador José Luiz Palma Bisson, do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida num Recurso de Agravo de
Instrumento ajuizado contra despacho de um Magistrado da cidade de Marília
(SP), que negou os benefícios da Justiça Gratuita a um menor, filho de um
marceneiro, que morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta. O
menor ajuizou uma ação de indenização contra o causador do acidente pedindo
pensão de um salário mínimo, mais danos morais decorrentes do falecimento
do pai.
Por não ter condições financeiras para pagar custas do
processo o menor pediu a gratuidade prevista na Lei 1060/50. O Juiz, no
entanto, negou-lhe o direito dizendo não ter apresentado prova de pobreza
e, também, por estar representado no processo por "advogado particular".
A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a
partir do voto do desembargador Palma Bisson é daquelas que merecem ser
comentadas, guardadas e relidas diariamente por todos os que militam no
Judiciário.
Transcrevo a íntegra do voto:
"É o relatório. Que sorte a sua, menino, depois do azar de
perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele
-, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte
apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor,
perversa por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com
efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.
Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai - por Deus ainda
vivente e trabalhador - legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita
por ele em paubrasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de
trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que
cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que
me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que
nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar, sobretudo,
meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros
marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num
velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que
cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali
tostado no paralelo da faina menina.
Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não
terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de
dinheiro ao menos. São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino saiba,
como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria
saber quem é.
O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado
na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é
motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em
casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em
nome habitava, sinal de pobreza exuberante.
Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino,
no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer.
Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida,
o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.
Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba
mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho
de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de
riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do
causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando
advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro
com a boca cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba
honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que
me proporcionou.
Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve
procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro
grosso dos preconceitos...
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a
gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões
para quem quer e consegue ouvir.
Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida
fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.
É como marceneiro que voto.
JOSÉ LUIZ PALMA BISSON - Relator Sorteado"
Conteúdo enviado por: Jussara A. L. Ferreira.
25.6.11
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