Um número muito grande de desajustes emocionais e toda sorte de distúrbios da personalidade na idade adulta tem raízes em episódios ocorridos na infância ou adolescência. Dizem as pesquisas e os especialistas que, entre esses episódios, os abusos sexuais aparecem com impressionante freqüência.
Para compreender essa realidade, uma boa reportagem às vezes ajuda mais do que a explicação técnica de um especialista. O texto abaixo reproduz apenas uma reportagem de jornal, mas aborda a questão com clareza e objetividade. Embora o relato não seja de ocorrências e pesquisas no Brasil, pode nos ajudar a compreender o problema, lidar melhor com ele e prevenir que aconteça em nosso ambiente.
12/03/2007
Estatísticas revelam que 67% das vítimas de ataque sexual têm menos de 18 anos
By Chuck Plunkett e Jeffrey A. Roberts
The Denver Post/The New York Times News Service
Quando Patricia tinha sete anos, uma babá a violou sexualmente e roubou grande parte da sua vida.Mais de 40 anos depois, Patricia continua recebendo auxílio terapêutico. Ela já lutou contra a anorexia, a bulimia, o consumo de drogas e álcool, os impulsos suicidas, a ansiedade intensa e a depressão debilitante.
Após a sua terrível experiência com a babá, Patricia voltou à escola incapaz de soletrar palavras simples que já conhecia, como "who" ("quem) e "how" ("como")."Era como se a minha cabeça estivesse dentro de uma caixa de vidro", conta Patricia. "Eu conseguia enxergar. Era capaz de ouvir sons abafados. Mas eu tinha perdido o contato com o meu corpo. Eu sentia um medo extremo de tudo".
A odisséia de Patricia para recuperar o controle sobre a sua vida começou no final da década de 1960, anos antes de o movimento dos direitos das mulheres colocar em cena o espectro do abuso sexual de crianças. Para preservar a sua privacidade, o "Denver Post" não está publicando o nome completo de Patricia.
Uma geração após o início do trauma de Patricia, as mais prováveis vítimas de abuso sexual são de longe os adolescentes jovens e as crianças.Uma análise de cerca de 55 mil casos anunciados de estupros e ataques sexuais ocorridos em 2004 revela que cerca de 67% de todas as vítimas desse tipo de ataque têm menos de 18 anos, e que 30% têm menos de 11 anos.
O "Denver Post" analisou dados divulgados sobre crimes violentos apresentados ao Birô Federal de Investigação (FBI, na sigla em inglês) por agências policiais de 25 Estados norte-americanos, incluindo o Colorado. O banco de dados do FBI é resultado de um programa voluntário denominado Sistema Nacional de Relatórios Baseados em Incidentes (NIBRS, na sigla em inglês). O projeto faz parte de um programa obrigatório do FBI, o Relatório Uniforme de Crimes, que fornece informações bem mais detalhadas, incluindo as idades das vítimas de ataque sexual.Os dados do NIBRS proporciona um raro vislumbre estatístico do elevado número de ataques sexuais denunciados. As estatísticas mais bem conhecidas utilizadas pelos funcionários que atuam na linha de frente do combate ao abuso sexual são fruto de pesquisas quantitativas e não da análise de registros criminais. O "Denver Post" consultou Howard Snyder, pesquisador do Centro Nacional de Justiça Juvenil, que analisou uma amostra mais condensada dos dados coletados de 1991 a 1996. O estudo de Snyder também revelou que mais de dois terços das vítimas tem menos de 18 anos.Segundo os especialistas, o que torna os dados mais perturbadores é o fato de não existir uma solução simples para o problema do abuso sexual infantil.
"A maioria das pessoa não conhece essas estatísticas", explica Vitoria Strong, que dirige o Centro Front Range de Prevenção de Ataques, que promove projetos educacionais nas escolas para a prevenção de abusos sexuais. "Não creio que a maioria dos distritos escolares preste a atenção devida ao problema", afirma Strong. "Isso até que algo de ruim aconteça".Strong e outros especialistas dizem que embora seja comum que os adultos advirtam os filhos a respeito do perigo muito raro de seqüestro por um desconhecido, os estudos revelaram que a maioria dos perpetradores de abusos sexuais é composta por parentes, amigos, professores, técnicos esportivos e clérigos. Irmãos e primos mais velhos também podem cometer abusos sexuais.
E os especialistas dizem que nem mesmo a melhor educação preventiva para as crianças jovens é suficiente."Não se pode esperar que as crianças protejam a si próprias", explica Mary Wyman, conselheira da organização Lost and Found, em Wheat Ridge, no Colorado, que trabalha com vítimas e perpetradores dos ataques sexuais. "As crianças são muito programadas para se submeterem à autoridade", afirma Wyman. "E os indivíduos que atacam as crianças são hábeis em suas ações. Eu nunca conheci um molestador sexual que fosse desagradável".
Sendo assim, os adultos necessitam de dicas específicas sobre como identificarem o potencial perpetrador, dizem os especialistas. Mas quando os distritos escolares oferecem aulas de educação aos pais para a prevenção do abuso sexual, poucos são os que participam."Existe um alto grau de negação desse problema", afirma Peter Pollard, diretor de educação pública do Stop It Now!, um programa da costa leste dos Estados Unidos cujo objetivo é proporcionar educação preventiva para adultos. "Creio, sem sombra de dúvidas, que todos nos beneficiaríamos caso nos focássemos nisso".Muitos Estados exigem que professores e funcionários de escolas informem a respeito de qualquer alegação de abuso sexual de crianças. Mas somente cerca de 60% das escolas de primeiro grau do país estão fornecendo algum tipo de educação para a prevenção do abuso sexual,afirma Pam Church, autora do popular programa Good-Touch/Bad-Touch (Toque Bom/ Toque Ruim)."O problema não é que todos os programas sejam iguais", afirma Church. "Alguns fazem um show de marionetes, que é muito divertido, mas isso não consiste em prevenção".
Church e os seus colegas da ChildHelp defendem uma educação preventiva anual que tenha início já no jardim de infância. Essa educação progressivamente detalhada tem início com três sessões de 30 minutos cada uma. Na quarta série a duração de cada sessão é de uma hora.Como muitos pais não desejam que as escolas forneçam educação sexual aos seus filhos quando estes são assim tão novos - e alguns não querem sequer que as escolas forneçam tal educação em qualquer idade -, Church e outros especialistas frisam que a educação preventiva não procura explicar os mecanismos do sexo, mas sim promover a consciência pessoal sobre o corpo, o pensamento crítico e a prevenção da violência. Mesmo assim, a questão de como alertar as crianças sobre uma questão tão difícil continua sendo complicada.
No Distrito Escolar de Boulder Valley, ao norte de Denver, as autoridades municipais estão elaborando há três anos um programa preventivo abrangente - mas ainda não implementaram integralmente as sessões em sala de aula.A funcionária Katy Fleming lamenta o atraso, e acrescenta: "Todos entendem o fato de que uma criança que foi sexualmente abusada não aprenderá as lições na escola".Esse fato é claro para Patricia. Embora tenha sido uma aluna brilhante antes de ser vítima do abuso, o trauma que sofreu a confundiu tanto que ela teve que, em certos momentos, recorrer à cola nas provas para passar de ano."Eu urinava nas calças", conta ela. "Tive vários ataques de ansiedade. Aos dez anos, estava consumindo álcool".
Histórias individuais como a de Patricia sublinham os crimes denunciados que constam do banco de dados do NIBRS e as conclusões assustadoras a respeito das idades das vítimas de ataque sexual. Mas o banco de dados tem as suas limitações. Como ele é de caráter voluntário, e relativamente novo, muitas cidades grandes não estão contribuindo. Os dados do NIBRS são também limitados, dizem os especialistas, pelo fato de a maioria dos estupros e ataques sexuais cometidos contra crianças jovens nunca serem denunciados, ou só serem notificados vários anos depois.
Os pais têm procurado cada vez mais os programas de educação sobre abuso sexual para ajudarem a manter as suas crianças seguras.Kathy Smith, de Louisville, no Colorado, recentemente participou de uma aula do grupo Parenting Safe Children (Criando os Filhos com Segurança) a fim de aprender mais sobre como proteger Aiden, o seu filho de dois anos e meio. As aulas frisam que a responsabilidade pela proteção dos filhos é dos adultos, diz Feather Berkower, a diretora do programa. Os pais aprendem perguntas utilizadas para avaliar outros adultos, como técnicos esportivos ou os pais de um amigo na casa do qual o filho passará a noite. A aula também fornece dicas sobre como proporcionar às crianças maior controle e consciência. Por exemplo, enquanto ensina Aiden a usar o vaso sanitário, Smith atualmente aproveita esse momento para dar nome às partes do corpo e para incutir conceitos que formam os blocos construtores que vão propiciar uma melhor comunicação à medida que Aiden cresça."Quem é o chefe do seu corpo?", pergunta Smith ao filho. "Você é o chefe do seu corpo".
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